segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Dos Mendigos



A mão estava suja, de uma sujeira que não sai em um banho só. Nem com aqueles que se faz com tijolos raspando até sair sangue como diria meu avô. A mão pegou um tomate lindo daquela caixa de fim feira. Percebi então que olhos dele pararam nos meus e sem desviar atenção com convicção mordeu o fruto e deixou escorrer o caldo pelo queixo e pescoço. Não menos limpos que sua mão.
Algo me chamou atenção naquela convicção e no prazer daquela mordida e sem perceber salivei de tanta água na boca.
Só me dei conta que não foi só para mim quando vi o braço estendido me oferendo um pedaço. Sem saber como reagir olhei para o lado e para outro e me dei conta que estávamos sozinhos, eu, ele e o fim da feira.
Neguei, claro. Ele insistiu. Salivei. E na terceira vez nem cristo negaria e mesmo sem acreditar no que fazia, aceitei. Mordi e enquanto mordia, vi de perto aqueles olhos se desviarem como se reprovasse a mordida. Agradeci e ameacei partir, não consegui. Ficamos parados por alguns segundos nos olhando.
Não aguentei e perguntei o porquê da reprovação enquanto mais caldo escorria por seu pescoço. Mais uma vez aqueles olhos me encararam e tive a certeza que eles não eram estranhos.
Se aproximou, o cheiro não era bom, definitivamente nada bom. Percebi que só restavam alguns dentes quando sorriu. Um sorriso mesmo assim encantador e não menos conhecido.
Se voltou para a caixa e procurou outro tomate, achou. Limpou. Ou mais sujou. Estendeu o braço, o olhar e o sorriso em minha direção. Esperou. Reparei o jeito que me oferecia. Aquele jeito...
Peguei, mordi, dessa vez mordi e senti o caldo escorrer até chegar ao meu peito.
Ele sorriu para mim e comigo com uma linda satisfação que me era familiar.
Sentamos na calçada, me sentia tão bem, podia ficar ali por horas. Sem dizer uma única palavra.
Ele não. Se levantou, esfregou as mãos, encolheu os ombros...
Pensei que ele faria uma reverência, não fez. Apenas me olhou e partiu.
Fiquei ali. E lembrei das lições de vida que meu pai me deu antes de partir. Lembrei que ele não me dizia uma única palavra. Me aplicava sermão com aqueles olhos...
E se quem amamos morre e reencarna em mendigos?

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