A mão
estava suja, de uma sujeira que não sai em um banho só. Nem com
aqueles que se faz com tijolos raspando até sair sangue como diria
meu avô. A mão pegou um tomate lindo daquela caixa de fim feira.
Percebi então que olhos dele pararam nos meus e sem desviar atenção
com convicção mordeu o fruto e deixou escorrer o caldo pelo queixo
e pescoço. Não menos limpos que sua mão.
Algo me
chamou atenção naquela convicção e no prazer daquela mordida e
sem perceber salivei de tanta água na boca.
Só me dei
conta que não foi só para mim quando vi o braço estendido me
oferendo um pedaço. Sem saber como reagir olhei para o lado e para
outro e me dei conta que estávamos sozinhos, eu, ele e o fim da
feira.
Neguei,
claro. Ele insistiu. Salivei. E na terceira vez nem cristo negaria e
mesmo sem acreditar no que fazia, aceitei. Mordi e enquanto mordia,
vi de perto aqueles olhos se desviarem como se reprovasse a mordida.
Agradeci e ameacei partir, não consegui. Ficamos parados por alguns
segundos nos olhando.
Não
aguentei e perguntei o porquê da reprovação enquanto mais caldo
escorria por seu pescoço. Mais uma vez aqueles olhos me encararam e
tive a certeza que eles não eram estranhos.
Se
aproximou, o cheiro não era bom, definitivamente nada bom. Percebi
que só restavam alguns dentes quando sorriu. Um sorriso mesmo assim
encantador e não menos conhecido.
Se voltou
para a caixa e procurou outro tomate, achou. Limpou. Ou mais sujou.
Estendeu o braço, o olhar e o sorriso em minha direção. Esperou.
Reparei o jeito que me oferecia. Aquele jeito...
Peguei,
mordi, dessa vez mordi e senti o caldo escorrer até chegar ao meu
peito.
Ele sorriu
para mim e comigo com uma linda satisfação que me era familiar.
Sentamos na
calçada, me sentia tão bem, podia ficar ali por horas. Sem dizer
uma única palavra.
Ele não.
Se levantou, esfregou as mãos, encolheu os ombros...
Pensei que
ele faria uma reverência, não fez. Apenas me olhou e partiu.
Fiquei ali.
E lembrei das lições de vida que meu pai me deu antes de partir.
Lembrei que ele não me dizia uma única palavra. Me aplicava sermão
com aqueles olhos...
E se quem
amamos morre e reencarna em mendigos?
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