segunda-feira, 22 de maio de 2006

Declaração de Amor








Se fosse para descrever do momento específico com muita e absoluta certeza não saberia descrever. Sei do pouco que me lembro que era escuro e viscoso, a cor e o cheiro pouco era a palavra repugnante.
Não tinha de fato nada de agradável ou heróico, era difícil, por pouco insuportável, nesta altura meu corpo desobedecia de maneira ríspida, foi nessa hora que caí.


Pouco ou muito depois acordei banhado em algo fétido e vital, custou para que eu ficasse em pé. No entanto a dúvida do que poderia ocorrer se ali ficasse fez me andar mais um pouco e foi de fato mais um pouco, meu corpo parou de vez, meu pensamento foi, sozinho fiquei, largado, jogado. Perdido, bem no centro de suas entranhas.

quarta-feira, 3 de maio de 2006

Tentações


As tentações corroem a sua cabeça, os passos que o carregam, pelas calçadas, e o peso deles é cada vez maior, a sua cabeça pende involuntariamente para baixo, o que o faz cada vez mais notar a cor suja do seu sapato, já muito usado, na outra dimensão deste olhar, observa os pés calçados das outras pessoas desviando dele e dos buracos.
Chega a uma faixa de pedestre, levanta a cabeça, bem a sua frente, um homem dentro do carro, falando ao celular, não, não falando não, gritando ao celular, o seu pensamento sai da sua cabeça e viaja e depois volta, lhe perguntando se ele precisa escutar a conversa estressante daquele homem que ele nunca viu? Se aquele homem deveria ter parado em cima da faixa de pedestre, de pedestre? O sinal abre, para os pedestres e para o homem, que sem perceber acelera o carro assustando a menininha que segurava a mão da mãe, o homem neste momento pára de falar e grita com a mãe da criança, a chamando de irresponsável.
Ele continua o seu caminho, chega do outro lado da rua e se vira e quase xinga o motorista irresponsável, mas neste momento o carro já estava longe.
Continua o seu caminho, esbarra em um homem de terno, pede desculpa, esbarram nele, falam para ele sair do caminho.
Entra no mêtro, espera uns cinco ou seis trens passarem, pois estavam muito lotados e não conseguia entrar, entrou no próximo, ficou apertado, como suas vontades, desceu, foi mais uma vez empurrado, mais uma, outra.
A sua cabeça girava, não estava mais entendendo o que lhe estava acontecendo, chegou a pensar que estava louco, mas foi só por alguns momentos, agora estava parado, em frente a um imenso prédio, olhou para cima, sua vista doeu com a luz do sol, fechou os olhos e a razão dentro do peito.
Entrou. Subiu. Sentou. Trabalhou. Desceu. Saiu, tudo isso do prédio que ele estava olhando, estava alheio a tudo e a todos, menos dele mesmo.
Parou em um bar, parou em um bar, parou em bar.
Me deixe.Ele gritou, como assim ele gritou, está história não é a minha história?
Lógico que não, está, é a minha história.
Sim, parei, sentei no bar, pelo menos nesta parte concordamos, mas na verdade eu,não estou louco, na verdade nunca estive mais são em toda a minha vida, em toda a minha vida, percebo algumas coisas que antes não fazia idéia, na verdade idéia fazia, mas não fazia idéia, como entendê-las.
Eu não via as pessoas na rua como vejo hoje, não me sentia mal por isso, sabia que era errado e injusto viver de tal maneira, mas vivia. De algumas coisas que eu não fiz, não chego a me arrepender, mas fico magoado ou vamos dizer ressentido de não ter feito, porém agora já passou.
Esta história não está ficando com a minha cara... E daí?
A história é minha não sua... Eu lembro de uma destas...
De uma destas o quê?
Destas vezes que você se arrependeu, ou quero dizer que você ficou magoado, aquela vez que você poderia ter ganhado o campeonato inter classes, que você disputou, quando estava na oitava série, é foi triste você ficar com medo de fazer o gol, só porque o menino da sexta série disse, que se você fizesse algum gol você se entenderia com ele depois, resultado, vocês da oitava série perderam o jogo, e não ganharam nem o terceiro lugar do campeonato que tinha ajudado a organizar, foi triste né?
Muito triste.
Sim você tem razão, muito obrigado, por me reviver, mais uma lembrança triste, obrigado mesmo, é melhor eu ir embora deste bar. Assim, eu retomo a minha história, e comprovo a minha teoria, realmente ele estava ficando louco, ele ficou no bar por horas, não colocou uma gota de álcool na boca, mas saiu de lá como se tivesse bebido todo o estoque de bebida do lugar, saiu transtornado, alucinado, e sem vontade de fazer nada ao mesmo tempo, se é que isso é possível.
Seguiu até o ponto de ônibus, lá ficou mais uma meia hora, entrou, sentou, depois levantou e saiu.
Quando chegou, percebeu que estava com uma página de um livro em sua mão esquerda, a página do livro estava amassada, parou e sentou na calçada sem perceber que estava chovendo, como todo dia de verão, começou a ler ou reler o poema que não parava de devorá-lo e de corroer sua mente:

Me dá um real?
Não tenho.
Me paga um almoço?
Não posso.
Depois o rapaz, puto da vida quase chorou.
A consciência pesou.
O homem a perguntar a todos no ponto, o que lhe havia perguntado.
A cada palavra proferida, um corte em sua pele.
Tal rapaz queria ajudar, mas não podia e não achava que era sua obrigação.
O estado do Estado, perante o estado do povo, é pseudo-retratado, em qualquer jornal do Estado.
O rapaz pensava isso e em inúmeros outros issos.
Olhava a cidade em movimento, em sua mente movimento este retrógrado.
A cidade sangrava por todos os lados.

A cada esquina outra artéria rompida, outra pessoa jogada.
Finalmente de dentro do ônibus a sua mente procura como estancar tais sangramentos.
Mas não encontra solução.
Sem solução.
Não há solução.
Continua escutando música,
no walkman,
só um fone funciona.
Fica com medo da cidade.
Fica com raiva de si mesmo e depois pensa em dar com os ombros para o problema.
Mas não consegue,
não consegue.
Ele se sente perdido,
Se sente velho,
Se sente inútil,
No auge dos seus vinte e cinco anos
A cidade.
A cidade que ele tanto ama.
A cidade que ele tanto amou.
É o principal motivo para ele se mudar dela,
mesmo sabendo que essa podreira está em qualquer lugar do mundo.
Pensa...
Gandhi.
Marx.
Chico.
João.
Rodrigo.
Pensa...
Pensou.
Chorou.
Chegou em casa ficou pensando e pensando e nada mudou assistiu os mesmos problemas diários na televisão.
Discutiu com sua esposa e seus amigos sobre o assunto e nada mudou.
Nada mudou.
E foi dormir sentindo o gosto de sangue em sua mente.

Terminou de ler ou de reler, enquanto o seu corpo já estava sangrando no meio da rua, no meio da rua, mais uma artéria se rompia, realmente se rompia.Não, não, isso não foi assim.Como não, eu sou o autor da história, eu.
Eu não teria tanta certeza quanto a autoria da história, ou de viver a história.
Goteja o sangue e a história termina.