segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Crítica - Tropicália


Por Alex Constantino



Dziga Vertov, foi um dos precursores da teoria a respeito do filme documentário através de seu conceito de cinema-verdade (kino-pravda), onde teorizou que o olhar da câmera seria mais fiel à realidade do que o olhar humano.
Porém, para o cineasta e teórico russo, essa fiabilidade da câmera, ainda que tomada como uma reprodução mecânica do visível, possuía um caráter reflexivo, dando grande importância para a montagem como forma de manifestar sua estética e seu sentido.
Assim, o documentário é um gênero cinematográfico que não tem compromisso de representar a realidade como ela é, pois como o cinema de ficção, se preocupa em apresentar uma versão parcial e subjetiva dessa realidade, guardando sua própria intenção poética. Daí porque ele também tenta desenvolver uma construção dramática e uma narrativa.
Seguindo essa tradição, o diretor Marcelo Machado pretendeu retratar em Tropicália, um panorama do que, para ele, foi um dos maiores movimentos artísticos do Brasil, que misturou velhas tradições populares com novidades artísticas ocorridas no mundo daquela época, tendo “abalado a estrutura da sociedade brasileira” e influenciado várias gerações.
Para construir sua narrativa, logo de início, o diretor apresenta seus protagonistas, Caetano Veloso e Gilberto Gil, a caminho do exílio em Londres, num programa  da TV portuguesa decretando a morte do Tropicalismo, porque para Caetano “o nome de um movimento só existe enquanto o movimento existe”, e o Tropicalismo não existia mais como movimento.
A partir daí, retroage tentando criar uma moldura histórica daquele Brasil, sob a égide da Ditadura e com forte repressão à liberdade de expressão, enquanto narra o percurso dos dois artistas e do movimento, que ganhou autonomia e se expandiu atingindo outras artes.
O recurso de que se vale são depoimentos de expoentes do movimento, entrecortados por imagens de arquivo e pontuado com canções do período e outros trechos de obras da época, como cenas da montagem teatral por Zé Celso Martinez Corrêa de “O Rei da Vela” de Oswald de Andrade, ou cenas dos filmes “O Bandido da Luz Vermelha” de Rogério Sganzerla, ou do experimental “Câncer de Glauber Rocha.
Nessa viagem destaca-se o trabalho de pesquisa em que foram garimpadas imagens raras e inéditas, como a própria apresentação portuguesa da dupla ou a participação dos músicos, em 1970, no festival da ilha inglesa de Wight, quando estavam apenas de visita para curtir nomes como Jimi Hendrix, The Who, The Doors, mas foram puxados para o palco junto com um grupo de artistas belgas para tocar a canção de Caetano “Shoot Me Dead”.
Apesar do esmerado trabalho de garimpagem, ou por causa dele, parece que a preocupação maior foi apresentar o material encontrado, ao invés de costurá-lo numa história que pudesse transmitir o contexto e o pretexto do movimento.
Preocupado em destacar o ineditismo de parte do material, o documentário naufraga na tentativa de envolver o expectador ou de convencê-lo sobre a relevância do Tropicalismo.
Segundo Machado, o filme é organizado em três atos, o primeiro mostrando o caldeirão de onde surgiu o Tropicalismo; o segundo contando a história do movimento propriamente dita, de 1967 até dezembro de 1968 e; por fim, o último ato, antecedido por depoimentos recentes dos envolvidos, que é, segundo ele, mais musical. No entanto, parece muito mais uma colagem de fatos e imagens que não emocionam ou transmitem o ambiente cultural hostil do período ditatorial.
Colabora com esse clima morno a falta de carisma dos protagonistas que, talvez tenham dialogado melhor com a juventude daquela época, mas hoje não conseguem  angariar a mesma simpatia.
Os momentos mais saborosos e divertidos aparecem com Tom Zé, o Jack Sparrow da película, que ofusca os protagonistas com sua figura carismática e boca cheia de neologismos. Como uma personagem de Guimarães Rosa, em seus pouquíssimos (infelizmente) momentos de tela faz uso de sua refinada arte de falar nada com nada e tudo com tudo ao mesmo tempo, encantando com seu diagrama amalucado (parece ser a única manifestação de genuína poeticidade).
Em certa altura, Gilberto Gil diz que preferia o termo Tropicália, porque era uma ilha, uma utopia, enquanto que em Tropicalismo, o ismo já denuncia que era uma coisa do momento, um movimento. O documentário parece não ser nem um nem outro, sobra boa intenção (utopia), mas falta ritmo (movimento).

Direção: Marcelo Machado
Roteiro: Marcelo Machado e Di Moretii
Participação: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nara Leão, Maria Bethânia, Tom Zé, Os Mutantes e outros.
Direção de Fotografia: Eduardo Piagge
Edição: Oswaldo Santana
Supervisão Musical: Alexandre Kassin
Duração: 82 min
País: Brasil/USA/UK
Ano: 2012
Gênero: Documentário
Previsão de Lançamento: 14 de Setembro de 2012

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