quinta-feira, 12 de julho de 2012

Crítica - 13 Assassinos


Por Alex Constantino



No Japão, do final da era feudal, o nobre samurai Shinzaemon Shimada (Kôji Yakusho) é incumbido secretamente por um alto oficial do governo para uma missão suicida: assassinar o Lorde Naritsugu Matsudaira (Gorô Inagaki), dando fim às crueldades do sádico meio-irmão do shogun antes que ele ocupe seu elevado posto no shogunato e ameace levar o país a um novo período de guerra civil.
Shinzaemon reúne um grupo de elite de samurais, e, juntamente com o homem das montanhas Koyata (Yûsuke Iseya), formam os 13 assassinos do título que, para cumprir seu objetivo, devem enfrentar o pequeno exército, liderado por Hambei Kitou (Masachika Ichimura), que protege o vilão.
Esta refilmagem do filme homônimo de Eichi Kudo, de 1963, marca a incursão do do diretor Takashi Miike no gênero Jidaigeki, os tradicionais dramas de época envolvendo samurais. Talvez por isso, o prolífico cineasta japonês, que desde sua estreia em 1991 acumula mais de 80 filmes em seu currículo, tenha deixado de lado sua linguagem estilizada habitual e seu característico humor negro, optando por um estilo mais sóbrio, sem contudo, comprometer a energia e dinamismo recorrentes em sua filmografia.
É interessante como o filme de Miike se apropria com desenvoltura das características do gênero, revelando  também um belo trabalho de direção de arte na recriação do período histórico.
Além disso, o filme guarda certa afinidade com a grande obra de Akira Kurosawa, Os 7 Samurais,  com a qual compartilha o desafio à tradição social, discutindo as rígidas regras da sociedade japonesa e a perseverança resignada com a qual o japonês aceita cumprir o papel a que foi destinado exercer dentro dela.
No filme de Miike, Shinzaemon e seu principal rival, Hambei, nutrem uma admiração velada, mas estão fadados a um confronto mortal por conta do estrito código samurai, numa situação claramente desvantajosa para ambos, e de certo modo não querida, mas inevitável de acordo as regras de conduta que lhe são impostas.
Miike não deixa dúvidas quanto ao caráter odioso de Lorde Naritsugu, retratando sua vilania de forma quase caricatural. Porém, aqui, essa abordagem empresta força à trama, acentuando o dilema moral, cujo verdadeiro debate não é sobre o caráter de cada pessoa, mas o papel de cada um na sociedade.
A palavra samurai significa aquele que serve e enquanto Shinzaemon acredita que seu dever é servir a causa que lhe foi confiada, Hambei é mais estrito em sua interpretação deste código moral porque acredita que deve proteger seu mestre, independentemente do caráter da figura a que serve.
A linha que separa a retidão das ações de Shinzaemon e Hambei é muito mais tênue do que aparenta, pois ambos são, antes de tudo, vítimas inexoráveis de seus destinos.
Esse debate se expande também para os diálogos e fotografia, onde, na primeira parte do filme, os personagens são vistos quase sempre sob a luz fraca e tremeluzente de velas gastas. O mesmo ocorre em relação ao figurino de cores sóbrias. E não apenas porque estão tramando secretamente, mas também porque  sua verdadeira natureza sempre é filtrada em camadas de códigos morais e sociais.
Enquanto isso, o vilão é mostrado sem sombras e em vestes leves e brancas, talvez porque ainda que tenha uma personalidade ignóbil, é o único que não se preocupa em mascará-la em convenções.
Assim como no filme de Kurosawa, onde o ato de rebeldia contra a tradição era representado pelo amor proibido entre o jovem samurai Katsushiro e uma camponesa e também pelo orgulhoso e exibicionista samurai Kikuchiyo,  de origem camponesa, Miike introduz personagens parecidos na figura do jovem sobrinho de Shinzaemon, Shinrokuro (Takayuki Yamada), reticente em assumir sua condição e que se voltou para os jogos de azar,  e o montanhês Koyata que livre das amarras sociais é a única figura que escolhe seu caminho. Talvez por isso, são os únicos personagens em que há a preocupação de se mostrar a existência de um interesse romântico, demonstrando que muito mais está em jogo quando se privilegia a postura samurai de concordância e conformismo.
Destaca-se também a opção do diretor de mostrar a sangrenta luta final em planos mais fechados que emula muito bem o caráter opressor de um combate com tamanha desigualdade numérica. Ele consegue ainda desenvolver um bom ritmo à sequência, mantendo uma narrativa fluída que não torna cansativo o longo terceiro ato.
Aliás, o clímax é apoiado no seguro desenvolvimento da história nos atos anteriores, cuja trama lembra, propositalmente, a dinâmica dos filmes de assalto (escolha da equipe, criação do plano, treinamento, imprevistos e improvisação), porque foi buscar essa fórmula diretamente na fonte destes em Os 7 Samurais.
Apesar de alguns excessos (ou recaídas) do diretor, como a cascata de sangue de um inimigo explodido que desce por um dos telhados ou uma descontextualizada corrida de touros em chamas, é um ótimo filme de ação que demonstra que pode surgir muito mais (e melhor) conteúdo numa luta de espadas ou num tiroteio do que somente o sangue computadorizado que jorra em profusão na tela em produções atuais muito mais pobres artisticamente.

Direção: Takashi Miike
Roteiro: Daisuke Tengan, baseado na história original de Shoichirô Ikemiya
Elenco: Kôji Yakusho, Takayuki Yamada, Yûsuke Iseya, Gorô Inagaki, Masachika Ichimura, Mikijiro Hira, Hiroki Matsukata, Ikki Sawamura,  Arata Furuta, Tsuyoshi Ihara, Masakata Kubota, Sôsuke Takaoka, Seiji Rokkaku, Yûma Ishigaki, Kôen Kondô e outros.
Direção de Fotografia:
Edição: Kenji Yamashita
Trilha Sonora: Koji Endo
Duração: 126 min
País: Japão
Ano: 2010
Gênero: Drama

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