Neil
Gaiman é sem dúvida um dos meus autores preferidos. Hoje sugiro que
vocês leiam o conto "Bolinho de bebês", que está no
livro de contos publicado pela Via Lettera, Fumaça
e Espelhos com
tradução de Claudio Blanc. O livro é excelente, recomendo a
leitura.
Bolinhos
de bebês
de
Neil Gaiman
Alguns
anos atrás, todos os animais foram embora.
Acordamos
uma manhã e eles simplesmente não estavam mais lá. Nem mesmo nos
deixaram um bilhete ou disseram adeus. Nunca conseguimos saber ao
certo para onde foram.
Sentimos
sua falta.
Alguns
de nós pensaram que o mundo tinha se acabado, mas não tinha.
Só que
não havia mais animais. Não havia gatos ou coelhos, cachorros ou
baleias, não havia peixes nos mares, nem pássaros nos céus.
Estávamos
sós.
Não
sabíamos o que fazer.
Vagueamos
por aí, perdidos por um tempo, e então alguém observou que, só
porque não tínhamos mais animais, não havia motivo para mudar
nossas vidas. Não havia razão para mudar nossa dieta ou parar de
testar produtos que podem nos fazer mal.
Afinal
de contas, ainda havia os bebés.
Bebês
não falam. Mal podem se mexer. O bebê não é uma criatura
racional, pensante.
Fizemos
bebês.
E os
usamos.
Alguns
deles, comemos. Carne de bebê é tenra e suculenta.
Esfolamos
suas peles e nos enfeitamos com elas. Couro de bebê é macio e
confortável.
Alguns
deles, usamos em testes.
Mantínhamos
seus olhos abertos com fitas adesivas e pingávamos detergentes e
shampoos neles, uma gota de cada vez.
Nós os
marcamos e os escaldamos. Nós os queimamos. Nós os prendemos com
braçadeiras e plantamos eletrodos em seus cérebros. Enxertamos,
congelamos e irradiamos.
Os bebês
respiravam nossa fumaça e, na veias dos bebês, fluíam nossos
remédios e drogas, até eles pararem de respirar ou até o sangue
deles não correr mais.
Era
duro, é claro, mas necessário.
Ninguém
podia negar isso.
Com a
partida dos animais, o que mais podíamos fazer?
Algumas
pessoas reclamaram, claro. Mas elas sempre fazem isso.
E tudo
voltou ao normal.
Só
que...
Ontem,
todos os bebês se foram.
Não
sabemos para onde. Nem mesmo os vimos partir.
Não
sabemos o que vamos fazer sem eles.
Mas
pensaremos em algo. Humanos são espertos. É o que nos faz
superiores aos animais e aos bebês.
Vamos
bolar alguma coisa.
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