sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Um sem rosto



O dia foi quente para aquecer a noite, assim era bom porque não precisava buscar algo para se cobrir, era encostar em qualquer canto e dormir. Era o que pensava  enquanto comia uma quentinha, que já estava quase geladinha. Pouco importava, a fome, não se preocupa com isso.

Ofereceu um pouco ao cachorro novo da praça, fizeram amizade, outros ficaram com ciúmes, mas logo abanaram o rabo como se diziam bem-vindo.

Ele adorava, quando dava seis horas, o ponto em frente a praça ficava cheio de pessoas, mesmo cansadas de tanto trabalhar, estavam cheias de vida e de vontade de chegar em casa. Com fome, pessoas com fome e vontade os olhos brilham mais. Pensava ele.

Se perdeu de tanto olhar e perdeu a comida, os seus amigos comeram, ameaçou gritar, xingar, bater, mas não. Riu. Fazer o quê? A fome é para todos e os olhos deles estavam brilhando.

Levantou, arrumou a calça, tinha sede, alguém largou no banco ali do lado uma latinha de refrigerante. Bebeu. Arrotou, afinal de contas isso é saudável, pensava.

Pegou uma bituca de cigarro no chão e tragou e tragou e tragou, já tinha apagado, aumentou a vontade. Foi para o ponto e bituca por bituca montou um maço inteiro e com variedade, Marlboro, Derby, Camel, paraguaio...

Voltou para praça e deitou para aproveitar um pouco da sua casa, como se tivesse pitando como seu avô. Aproveitou um cigarrinho, vendo as mulatas passarem. Era fino, pensava, ruivas eram para os fracos, ele gostava mesmo da pegada da porta bandeira.

Pegou os trocados do bolso, foi ao boteco. Pediu uma pinga. Tomou num gole e pediu o choro, estalou os dedos no ar, dizendo com o gesto que era das boas. Saiu do bar e atravessou a rua aos ponta pés sem saber de onde vinham., quando chegou a calçada. Caiu de joelhos e viu as mulatas pararem, as ruivas colocarem as mãos no rosto. Mais um chute, outro, outro, outro alguém toma, toma e toma porrada por tomar o seu lugar...

...

Escutou sirenes. Ganhou outro choro, de dor ao reabrir os olhos. Quieto se lembrou pouco do que aconteceu, uma muvuca de gente dispersa e uma ambulância leva aquele que levou em seu lugar.

Embora quisesse esquecer se lembrou de um rosto, de outro, de um soco, de um chute e de um grito, de dois gritos...escutou a TV, reconheceu a praça, seus amigos, a ambulância de ontem.

E chorou pela terceira vez ao lembrar de alguém gritando:

- Parem! O que vocês estão fazendo?

Soluçou ao se lembrar que foi salvo e pediu uma pinga no bar, apenas para comemorar que alguém se importa...

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