O dia foi
quente para aquecer a noite, assim era bom porque não precisava
buscar algo para se cobrir, era encostar em qualquer canto e dormir.
Era o que pensava enquanto comia uma quentinha, que já estava
quase geladinha. Pouco importava, a fome, não se preocupa com isso.
Ofereceu um
pouco ao cachorro novo da praça, fizeram amizade, outros ficaram com
ciúmes, mas logo abanaram o rabo como se diziam bem-vindo.
Ele
adorava, quando dava seis horas, o ponto em frente a praça ficava
cheio de pessoas, mesmo cansadas de tanto trabalhar, estavam cheias
de vida e de vontade de chegar em casa. Com fome, pessoas com fome e
vontade os olhos brilham mais. Pensava ele.
Se perdeu
de tanto olhar e perdeu a comida, os seus amigos comeram, ameaçou
gritar, xingar, bater, mas não. Riu. Fazer o quê? A fome é para
todos e os olhos deles estavam brilhando.
Levantou,
arrumou a calça, tinha sede, alguém largou no banco ali do lado uma
latinha de refrigerante. Bebeu. Arrotou, afinal de contas isso é
saudável, pensava.
Pegou uma
bituca de cigarro no chão e tragou e tragou e tragou, já tinha
apagado, aumentou a vontade. Foi para o ponto e bituca por bituca
montou um maço inteiro e com variedade, Marlboro, Derby, Camel,
paraguaio...
Voltou para
praça e deitou para aproveitar um pouco da sua casa, como se tivesse
pitando como seu avô. Aproveitou um cigarrinho, vendo as mulatas
passarem. Era fino, pensava, ruivas eram para os fracos, ele gostava
mesmo da pegada da porta bandeira.
Pegou os
trocados do bolso, foi ao boteco. Pediu uma pinga. Tomou num gole e
pediu o choro, estalou os dedos no ar, dizendo com o gesto que era
das boas. Saiu do bar e atravessou a rua aos ponta pés sem saber de
onde vinham., quando chegou a calçada. Caiu de joelhos e viu as
mulatas pararem, as ruivas colocarem as mãos no rosto. Mais um
chute, outro, outro, outro alguém toma, toma e toma porrada por
tomar o seu lugar...
...
Escutou
sirenes. Ganhou outro choro, de dor ao reabrir os olhos. Quieto se
lembrou pouco do que aconteceu, uma muvuca de gente dispersa e uma
ambulância leva aquele que levou em seu lugar.
Embora
quisesse esquecer se lembrou de um rosto, de outro, de um soco, de um
chute e de um grito, de dois gritos...escutou a TV, reconheceu a
praça, seus amigos, a ambulância de ontem.
E chorou
pela terceira vez ao lembrar de alguém gritando:
- Parem! O
que vocês estão fazendo?
Soluçou ao
se lembrar que foi salvo e pediu uma pinga no bar, apenas para
comemorar que alguém se importa...
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